Caminhos para os sindicatos construírem seu futuro em um mundo do trabalho em mudança

A raiz do sindicalismo é a solidariedade que une os trabalhadores em movimentos de lutas por utopias como a justiça, a igualdade, o bem viver e que são aplicadas no cotidiano das relações de trabalho e das condições de vida.
Clemente Ganz Lúcio

Não tenho medo da vida,

tenho medo de não viver.”

Gilmar Ramos, Campo Alegre de Lourdes, BA

Cordel da Juventude do Nordeste

Dirigentes, ativistas e assessores sindicais são os destinatários desse artigo. O objetivo é refletir sobre a profunda reestruturação que o movimento sindical brasileiro deve promover para ser coetâneo com as múltiplas transformações disruptivas que ocorrem no mundo do trabalho, bem como ser capaz de responder aos ataques que vem sofrendo.

Desejo que a leitura contribua para mobilizar a imaginação na busca da reorganização do sindicalismo, para desenvolver a criatividade no sentido de projetar novas estratégias de atuação sindical, para desenvolver a capacidade de cálculo político promovendo transições no processo de mudança.

1-A complexidade

Há um contexto situacional de adversidades múltiplas que gera, para muitos, a sensação de que a complexidade dos atuais fenômenos sociais torna muito difícil descrevê-los e prospectá-los no futuro, redundando fugazes os esforços para construir explicações sobre o que acontece e formular projetos e processos de enfrentamento e superação. Portanto, cuidado, a complexidade pode conduzir a um fatalismo imobilizador!

O caminho é perseverar no desenvolvimento da capacidade cognitiva para compreender essas as complexidades do presente e do futuro e, sobre essa base, com método, desenhar projetos de superação, elaborar estratégias de construção e formular utopias transformadoras.

Há futuro para o sindicalismo? Partimos da hipótese de que haverá sindicalismo para responder aos vetores organizadores e mobilizadores do trabalho humano no futuro, bem como às diferentes formas de contratação que irão adquirir as relações sociais de produção, também às novas condições de trabalho, assim como à dinâmica de concentração ou distribuição do produto social do trabalho, da renda e da riqueza. Será um sindicalismo diferente, indicam as reestruturações em curso, mas com a mesma raiz histórica. Por isso, é urgente que o movimento sindical brasileiro tome iniciativas inovadoras para promover uma reestruturação que correlacione e integre a mudança na estrutura e organização sindical à dinâmica que emerge no novo mundo do trabalho.

A raiz do sindicalismo é a solidariedade que une os trabalhadores em movimentos de lutas por utopias como a justiça, a igualdade, o bem viver e que são aplicadas no cotidiano das relações de trabalho e das condições de vida.

Somente serão capazes de protagonizar esse sindicalismo raiz aqueles que tiverem a atenção para o contexto real dos novos trabalhadores, compreendendo as condições em que vivem, seus sonhos, contradições e interações. Os trabalhadores desse novo mundo do trabalho serão os protagonistas do movimento sindical que irromperá.

Cabe-nos hoje, diante das complexidades, a decisão de:

a) considerar que há um novo mundo do trabalho irrompendo;

b) tomar a iniciativa de compreendê-lo;

c) lutar junto com os novos trabalhadores;

d) reorganizar e colocar a atual estrutura sindical para ser, desde já, uma resposta às transformações e estar a serviço do movimento dos trabalhadores e do seu futuro;

e) investir continuadamente na formação e renovação de quadros.

  1. Os ataques ao sindicato, aos direitos e à proteção no Brasil

As reestruturações institucionais avançaram nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo uma delas a reforma da legislação e do sistema de relações de trabalho. Os objetivos foram, e continuam sendo, reduzir o custo do trabalho; criar a máxima flexibilidade de alocação da mão de obra, com as mais diversas formas de contrato e ajustes da jornada; reduzir ao máximo a rigidez para demitir e minimizar os custos de demissão, sem acumular passivos trabalhistas; restringir ao limite mínimo as negociações e inibir contratos ou convenções gerais em favor de acordos locais, realizados com representações laborais controladas; e quebrar os sindicatos.

No Brasil, com a aprovação da Lei 13.467, em meados de 2017, em um lance institucional ousado, o Legislativo e o Executivo transformaram profundamente a legislação trabalhista, o sistema de relações de trabalho no país e fizeram uma reforma sindical contra os trabalhadores. Em síntese, a lei deixou de ser um sistema protetor dos trabalhadores, de equilíbrio de força entre capital e trabalho e passou a ser um aparato protetor das empresas.

A reforma alterou a hierarquia normativa em que Constituição, legislação, convenções coletivas e acordos eram pisos progressivos de direito. Desde então, a Constituição passou a ser um teto, a legislação uma referência de direitos que podem ser reduzidos pelas convenções; os acordos podem diminuir garantias previstas em lei e em convenção coletiva, o indivíduo pode abrir mão de muito do que foi conquistado coletivamente. Os trabalhadores e os sindicatos “ganharam o livre direito” para reduzir salários e garantias, flexibilizar contratos, ampliar ou reduzir jornada, quitar definitivamente, na presença coercitiva do empregador, os direitos. O acesso dos trabalhadores à Justiça foi limitado. As empresas passaram a ter inúmeros instrumentos de maior garantia, proteção e liberdade jurídica para ajustar o custo do trabalho.

Fazem parte dessas mudanças a possibilidade de novos tipos de contratos de trabalho (tempo parcial, trabalho temporário, intermitente, autônomo exclusivo, terceirizado sem limite, teletrabalho, etc.), que permitem ajustar o volume de trabalho à produção no dia, na semana, no mês, ao longo do ano. Esses contratos podem ter ampla flexibilização em termos de jornada (duração, intervalos, férias, banco de horas, etc.). As definições do que é salário são alteradas e os valores podem ser reduzidos, assim como outras obrigações legais. A demissão é facilitada, inclusive a coletiva, com diversas formas de quitação definitiva de débitos trabalhistas.

O poder de negociação dos sindicatos é fragilizado com o “novo poder” de reduzir direitos, a interposição de comissões de representação dos trabalhadores, nas quais é proibida a participação sindical, ou com a autonomia do indivíduo para negociar diretamente. Essas medidas quebram o papel sindical de escudo coletivo e protetor. Como já ocorre em outros países que adotam mecanismos semelhantes, os trabalhadores estão sendo incentivados e estimulados, por meio de inúmeras práticas antissindicais e de submissão patronal, a não apoiar ou financiar os sindicatos. Muitos são submetidos ao poder das empresas, pressionados para aceitar acordos espúrios diante do medo de perder o emprego.

A Justiça do Trabalho, que agora é paga, terá sua tarefa reduzida à análise formal dos pleitos. A Lei criou uma tabela que precifica o ônus da empresa até, no máximo, 50 vezes o salário do trabalhador!

Foram mais de 300 alterações na legislação trabalhista, que operam um verdadeiro ataque aos trabalhadores. O Brasil se integrou ao rol de países que reformaram a legislação laboral e sindical para oferecer às empresas a flexibilidade para ajustar o tamanho e o custo da força de trabalho sem resistência sindical.

Outras iniciativas foram tomadas, como a Lei 13.429/2017 que autorizou a terceirização de forma ilimitada no setor privado e público. A Reforma da Previdência Social foi aprovada em 2019 com severos e múltiplos impactos que impedem ou dificultam o acesso à previdência social, arrocham benefícios e pensões. Iniciativas com o mesmo objetivo acabaram caducando como, por exemplo, a Medida Provisória 905/2019 que fazia inúmeras alterações trabalhistas e sindicais e a MP 873, que feria de morte o financiamento sindical e, mesmo caducando, deixou um legado de destruição sindical. Há várias outras iniciativas tomadas pelo Governo, por meio de Medida Provisória ou Projeto de Lei, que estão em debate no Congresso, com impactos sobre condições de trabalho, jornada, direitos laborais e sindicais.

Especificamente em relação ao financiamento sindical, cabe mencionar que duas das principais fontes, que representam mais de 70% da receita corrente das entidades, foram bloqueadas ou limitadas. A primeira é a contribuição sindical (desconto anual de um dia de trabalho de todos os empregados), destinada à manutenção de sindicatos, federações, confederações e Centrais Sindicais e ao Ministério do Trabalho. Tem caráter constitucional obrigatório, mas com a atual legislação, passou a ser facultativa, situação que está sendo questionada na Justiça. Ao tornar voluntária essa contribuição, os dados de 2018 a 2020 indicam queda superior a 90%.

A outra receita importante é a contribuição assistencial, feita pelos trabalhadores às entidades sindicais que os representam, por ocasião das negociações coletivas de trabalho. O Supremo Tribunal Federal tem atuado incisivamente para proibir o desconto dessa contribuição dos trabalhadores não associados aos sindicatos, apesar de garantir que todos têm o direito de acessar aos direitos definidos pelas convenções e acordos coletivos. O “trabalhador carona”, a “malandragem”, a tão falada lei de Gerson que incentiva “levar vantagem em tudo”, vem orientando as inciativas do Executivo, as decisões legislativas e judiciais, favorecendo e, de certa forma incentivando, esse tipo de prática.

O objetivo claro é quebrar o movimento sindical ou, no mínimo, restringir e controlar seu poder. Se não fosse esse o propósito, e havendo necessidade de mudança, a legislação asseguraria regras adequadas para um financiamento condizente com as atribuições sindicais, mecanismos para um processo de transição, valorizaria a negociação e modernizaria o sistema de relações de trabalho e não incentivaria práticas antissindicais.

  1. O debate sobre a reforma sindical e cenários para a reestruturação

Para além das mudanças no mundo do trabalho1, que passam cada vez mais a exigir transformações no sistema sindical, há também iniciativas institucionais que recolocam o tema da reforma sindical em debate junto ao Poder Executivo e, principalmente, junto ao Legislativo, mobilizando trabalhadores e empregadores para essa empreitada.

No âmbito do Poder Executivo, o governo instituiu o Conselho Nacional do Trabalho em 2019, órgão tripartite (governo, empregadores e trabalhadores) para debater questões sindicais e trabalhistas. O governo afirma que enviará, mas não indica em qual prazo, um Projeto de reforma sindical no qual proporá́ a instituição dos princípios da liberdade sindical (autonomia e não interferência do Estado nas organizações).

Por outro lado, o assunto da reforma sindical também está ativo do Congresso Nacional. São várias as inciativas de PECs (Proposta de Emenda Constitucional) que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Mais recentemente, foi apresentada a Propostas de Emenda Constitucional – PEC 196/2019, apreciada pela CCJ – Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e encaminhada para a formação da Comissão Especial para análise de mérito. Essa Comissão Especial ainda não foi instalada2.

O debate está em curso e para pensar o futuro do sindicalismo brasileiro devemos considerar que:

Diante desse quadro, indica-se para o movimento sindical trabalhar estrategicamente com três cenários básicos, cada um com iguais chances de ocorrer e, por isso mesmo, com estratégias definidas para atuar em relação a todos eles.

Cenário 1 – Um sonho: a reforma sindical avança no Congresso com um modelo pactuado entre trabalhadores, empregadores e parlamentares, e institui um sistema de transição sindical para um regime de liberdade com regras que favorecem a agregação, a representatividade, a negociação, a solidariedade e a cooperação. Para esse cenário será preciso um Plano que combine elaboração propositiva para o sistema sindical, debate na base, construção propositiva, inclusive com o setor patronal; articulação com os parlamentares, bancadas de partidos e comissões; debate público orientado para o convencimento; um projeto de transição pactuado que construa a reestruturação com base nas novas regras aprovadas. Um debate e projeto que reposiciona o movimento sindical como instituição essencial da nossa democracia e que constrói a sua valorização presente e futura. Cenário com baixa possibilidade até final de 2022.

Cenário 2 – Um pesadelo: a reforma sindical avança com regras que implantam um regime de pluralismo que pulveriza e fragmenta a representação, enfraquece o financiamento e concentra a negociação nas empresas. Diante desse cenário será preciso um plano de resistência buscando impedir o trâmite desse tipo de proposta no Congresso. Se ocorrer e houver a derrota, será necessário um plano de enfretamento com projeto de reestruturação nessas bases e de reversão da pulverização e da fragmentação, etc.

Cenário 3 – A vida como ela é: nada avança no Congresso, os debates ficam enrolados ou travados, há pautas prioritárias, ou consegue-se impedir que as mudanças nefastas avancem travando-se o processo legislativo, etc. O sistema sindical fica com as regras atuais que enfraquecem o poder dos sindicatos na negociação e debilitam gravemente seu financiamento. O governo dá continuidade aos ataques pontuais que fragilizam ainda mais o poder sindical e seu financiamento, a Justiça colabora com o enfraquecimento sindical. Nesse caso, é necessário ter um plano de reestruturação ousado, de autorregulação no campo dos trabalhadores em termos de organização e representação, de corregulação capital e trabalho para o sistema de negociação e que deve incluir o financiamento. Para esse plano é preciso ousar construir um “pacto sindical pela mudança”, no qual durante cinco anos todo o movimento sindical estará focado em construir a reestruturação sindical, sem criar nenhum novo sindicato, sem formar oposições, favorecendo fusões e agregações, etc. A unidade na diferença como visão prática e estratégica de transformação.

  1. Diretrizes para uma reforma sindical no Brasil

Como dito anteriormente, o debate sobre a reforma do sistema sindical e de relações de trabalho tem o desafio de responder a duas ordens de mudanças, a saber: a) às transformações estruturais e disruptivas no mundo do trabalho promovidas em todo o sistema produtivo, ou seja, criando novas ocupações, de contratação, de subordinação, novos arranjos das empresas, novas relações entre empresas e delas com o Estado; b) às iniciativas para mudanças na legislação e no regramento que rege o sistema de relações sindicas e de relações do trabalho.

São duas ordens de mudanças que precisam estar articuladas nos projetos que alteram o sistema sindical, assim como considerar o contexto político situacional presente no país no período de mudança. No caso presente do Brasil, o contexto é de um governo que, sistematicamente, afirma e atua para restringir o poder dos sindicatos, limitar sua capacidade de contratação e ferir de morte sua capacidade de financiamento. Se as duas ordens de mudança são imperativos estruturais de grande complexidade e que exigirão respostas da mesma magnitude, o contexto situacional brasileiro reserva uma adversidade dura e uma insegurança quase absoluta quanto aos valores e as intencionalidades que poderão reger os processos legislativos.

Por isso mesmo, parte do movimento sindical tem procurado estabelecer diálogo de alto nível com o setor empresarial e suas organizações sindicais, bem como com os parlamentares, com vistas a promover um debate legislativo assentado nos desafios acima indicados, assim como promovê-lo em ambiente de diálogo social orientado pelos princípios da boa fé e do interesse de gerar avanços, para que o sistema sindical promova relações compatíveis com um desenvolvimento econômico e social de alta qualidade.

Identifica-se a adversidade do momento para fazer esse tipo de mudança, a insegurança em alterar nesse contexto uma regra constitucional – o Artigo 8º, a necessidade de ter propostas convergentes no contexto do processo legislativo avançar, as diferenças de posicionamento frente ao aspecto da unicidade sindical (um único sindicato na mesma base), da liberdade sindical (possibilidade de pluralidade e pulverização sindical) e das formas de financiamento sindical (somente sócios ou todos os beneficiados pelos acordos e convenções coletivas).

Sistematizamos abaixo aspectos e propostas que estão pautando os debates articulados pelo Fórum das Centrais Sindicais, desde 2019, e que podem orientar a atuação e intervenção sindical dos trabalhadores.

4.1 Fundamentos

4.2 Organização sindical

4.2.1 Representatividade

4.2.2 Negociação coletiva

4.2.3 Regulação

4.2.4 Servidores Públicos

4.2.5 Papel do Estado

4.2.6 O que deve constar nas disposições constitucionais transitórias (ADCT)

5. O futuro: para um Pacto InterSindical pela Mudança

Indicam-se a seguir algumas diretrizes que podem compor estratégias de mudança na perspectiva da reorganização do sistema sindical brasileiro.

5.1 O jovem trabalhador do futuro

O primeiro aspecto de uma estratégia de reestruturação sindical é a promoção de um amplo processo de participação dos jovens – trabalhadores e trabalhadoras com menos de 30 anos de idade – na vida sindical, como ativistas, militantes e dirigentes.

Essa participação sindical da juventude que está presente no mundo do trabalho tem por objetivo realizar um esforço inovador de formulação propositiva para colocar paradigmas alternativos aos dominantes. A aposta é que será necessário pautar a sociedade para debates deliberativos sobre o futuro das múltiplas dimensões da vida e das formas de produzi-la. O desafio será – como já foi no passado – mobilizar a sociedade para a construção de outro mundo possível e melhor, orientado pelos princípios da igualdade, liberdade e solidariedade, por uma utopia que mobilize corações e encoraje a luta.

Esse movimento emergirá se aqueles que vivem e produzem com o seu trabalho o novo mundo decidirem mudar a trajetória em curso. Os jovens de hoje serão a força de trabalho dominante nas três próximas décadas, período no qual essas desafiadoras e decisivas mudanças e lutas serão processadas e travadas. É o mundo futuro em construção e o futuro do mundo em disputa, que a juventude pode prospectar como seu, caso se coloque em ação como sujeito coletivo. São as condições de trabalho precárias que dominam o seu mundo que precisam ser radicalmente alteradas. São esses trabalhadores, jovens, que deverão formular a agenda com as propostas e as formas das lutas para enfrentar as questões-problemas-desafios que para eles, desde já, estão postos.

Cabe à juventude ocupar espaços, assumir seu protagonismo e, com ousadia, correr riscos. A audácia para questionar as verdades que se colocam como definitivas também exige irreverência. Os jovens, na plenitude da vida que irrompe, têm o desafio de prover um olhar inovador sobre a realidade, imaginar outro mundo e a forma de promover as mudanças nos novos contextos políticos. Não estarão sozinhos, pois estaremos juntos. O importante é ter a clareza de que não se pode fazer por eles e nem para eles essa luta. O que podemos, e devemos, é lutar juntos.

A juventude está desafiada a descobrir que o futuro lhe pertencerá, efetivamente, se for capaz de se fazer presente nas lutas. Será em parte a sua capacidade de intervenção criativa, irreverente, provocativa e ousada que obrigará toda a sociedade a mudar. O sindicato renovado é o espaço político para que essa descoberta histórica das novas gerações ocorra.

O sindicato renovado não é uma estrutura que se moderniza para se preservar como tal, mas sim uma organização que se renova a partir da compreensão do que desejam os trabalhadores e as trabalhadoras e de como querem realizar suas lutas e formalizar sua solidariedade e cooperação. A estrutura deve mudar para ser a ferramenta e o instrumento de organização e luta dos trabalhadores nesse novo contexto, considerando as múltiplas formas de inserção ocupacional e de contratação.

O sentido da reestruturação é gerar capacidade cognitiva e política para fazer da estrutura sindical um patrimônio social, cultural e político que se coloca a serviço da classe trabalhadora que surge nesse novo mundo do trabalho. A estrutura “se esconde” para ser descoberta.

O desafio está em, efetivamente, abrir espaço para os jovens pensarem as estratégias de mobilização, planejarem as ações e atuarem em sua execução. Desenvolver uma ação inovadora no espaço da formação técnica e universitária dos jovens, seja articulando a ação estudantil com o trabalho sindical, seja oferecendo serviços para o jovem planejar sua vida profissional, conhecendo os desafios que estão postos e formulando propostas e projetos.

A presença da juventude no meio sindical deve indicar as novas formas de organização adequadas à sua dinâmica de vida, às formas de comunicação, à maneira de debaterem e ao jeito de deliberar. Esse novo modo de viver e de se colocar diante da vida que a juventude mobiliza, precisa ocupar espaço no sindicalismo e ser uma força propulsora da mudança que possibilite que o sindicato se coloque como espaço e instrumento a serviço das suas lutas e projetos.

5.2 O movimento

A dinâmica a partir da qual se desenvolve e se organizam as lutas sindicais deve conter a intencionalidade de colocar os trabalhadores em movimento. A estrutura deve ser considerada como um instrumento a serviço da promoção do movimento e da organização das lutas. A reestruturação sindical deve criar as condições organizativas para colocar os trabalhadores presentes nos novos contextos ocupacionais em movimento de luta.

É a partir da necessidade e condição de se colocar em movimento que as pessoas desenvolvem a consciência sobre as realidades, sobre o que são os conflitos sociais e suas origens, descobrem valores que devem presidir outro projeto de sociedade e os caminhos para as mudanças sociais. Ao se colocam em movimento, debatendo, fazendo greves ou paralisações, protestando, investindo na formação e na organização, enfrentando adversidades, resistências e oposição, os trabalhadores vão se dando conta sobre a complexidade da realidade e dos desafios que se colocam para os processos de disputas.

O sindicalismo é uma longa construção de quase dois séculos, período no qual os trabalhadores, colocados na condição de subordinação em relação ao capital/empregador, passaram a se associar, reunir-se solidariamente para constituir força social, para enfrentar e mudar as condições laborais, reduzir a jornada e melhorar os salários e as condições de vida. As marchas, greves, manifestações e enfretamentos foram capturados e expressos pela arte em fotografias, filmes, poesia, música, literatura e pinturas, que registram a história e denotam o movimento.

O movimento operário transforma a reivindicação dos assalariados em demanda por direito trabalhista e social, criando suas instituições para organizá-los e colocá-los em ação, ou seja, os sindicatos.

Em alguns casos o tempo fez os sindicatos esquecerem que o movimento está na sua essência. A burocratização é um mal que acomete muitas instituições, inclusive os sindicatos.

Reestruturar o sindicalismo a partir do movimento é dar prevalência às lutas a partir das quais se pensa as formas de organização, de estruturação dos recursos e de formação sindical dos ativistas. Pensar a partir do movimento é organizar uma gestão flexível e ágil, capaz de uma leitura sofisticada da realidade em tempo real para instruir escolhas estratégicas adequadas. Significa investir na produção de uma inteligência que planeja as lutas no contexto da interação com o outro, sejam adversários ou inimigos. Pensar a partir do movimento é desenvolver um estado de atenção, de cuidado com a interação, com observação sobre o outro, ambiente de confiança na diferença, tolerância com os tempos e as formas de engajamento, é dar a oportunidade do acaso, do inédito e saber tratar com o imprevisível.

5.3 Representar a todos

A atual estrutura sindical não é capaz de produzir proteção para todos os trabalhadores presentes no mundo do trabalho. Isso tem que mudar!

Há os trabalhadores assalariados com registro em carteira de trabalho e os servidores públicos que estão, em sua maioria, sindicalmente protegidos, mas que enfrentam crescente processo de fragilização dessa proteção. As ações dos governos Temer e Bolsonaro atuaram para romper os vínculos sindicais entre trabalhador e sua entidade.

Há também o assalariamento ilegal, sem registro em carteira de trabalho, o trabalhado autônomo, ou por conta própria, e os trabalhadores domésticos, que compõem a heterogeneidade da estrutura ocupacional. Novas formas de contratação – trabalho intermitente, tempo parcial, temporário, prazo determinado, autônomo exclusivo, “uberizados”, terceirizados, “pejotas”, jornadas de trabalho parciais com múltiplos empregos por trabalhador, rotatividade, fim de ocupação e profissões, entre outros aspectos, tornam a dinâmica do mundo do trabalho ainda mais complexa. Com raras exceções, esses trabalhadores não contam com proteção sindical formal, real e efetiva. Insisto, isso precisa mudar!

Nesse novo mundo do trabalho as pessoas terão ao longo da vida dezenas de inserções ocupacionais, em múltiplas formas de contratação e suas habilidades e profissões sofrerão mudanças radicais.

As tecnologias permitem ampliar as ocupações no setor de serviços. A inserção ocupacional dos membros da família transforma os cuidados com crianças, doentes e idosos em um serviço econômico que se expande, assim como os serviços de entrega de alimentos e de compras no comércio, entre tantos outros casos. As pessoas ocupadas circulam sem um local fixo de trabalho e, muitas vezes, têm mais de um emprego ou ocupação.

A desproteção sindical já é maior do que a força de trabalho protegida e tende a crescer.

O sindicalismo está desafiado a se reestruturar para ser o movimento de todos os trabalhadores e de todas as trabalhadoras inseridos nessa diversidade ocupacional. Isso implicará em construir uma agenda múltipla de demandas e de lutas, bem como imaginar novas formas de organização, elaborar propostas de solução para problemas que são inéditos para a agenda sindical clássica de assalariados e de servidores públicos.

Nesse desafio ganha força a concepção de um sindicalismo dos trabalhadores que a todos reúne e une. Um tipo de sindicato que constrói bandeiras de luta unitárias e de todos os trabalhadores. Pode ser organizado por setor ou ramo, como o sindicato dos trabalhadores da indústria, o sindicato dos trabalhadores do comércio, o sindicato dos trabalhadores dos serviços, o sindicato dos trabalhadores da agricultura, o sindicato dos servidores públicos. Cada um organizado em uma rede sindical que garanta a presença nos locais de trabalho e nos locais de moradia. Pode-se pensar que uma rede de sindicatos locais é articulada por Federações de unidades locais, uma Confederação ou mesmo dar liberdade para se pensar outras engenharias organizacionais. Do local até o nacional a articulação de um sindicalismo de todos os trabalhadores.

Para esse novo mundo do trabalho e para o desafio de representar a todos, as categorias vão perdendo sentido e precisam ser superadas do ponto de vista organizativo. Assim como a condição de assalariado contratado por um patrão empregador não é mais a condição para ser um trabalhador sindicalizado.

São os trabalhadores, em suas mais variadas formas de inserção ocupacional, a base geral da organização e representação sindical a ser criada. Se o trabalhador está ocupado no setor industrial, ele será representado por um sindicato dos trabalhadores da indústria, seja um assalariado, terceirizado, “pejota”, autônomo exclusivo, intermitente, etc. Não importa qual o contratante ou sua condição ocupacional, todos terão a mesma proteção sindical para promover, para a condição ocupacional específica, a proteção condizente.

Isso requererá um ousado projeto de transição da atual estrutura sindical para uma nova abordagem. Esse movimento, aliás já começa a surgir em alguns países.

5.4 A agregação

O desafio de representar a todos deve conduzir a um movimento estruturante de agregação sindical intencionalmente direcionado para uma presença organizativa em todo o território, desde os sindicatos locais, articulados em rede por Federações/Confederações, e reunidas em Centrais Sindicais.

A agregação em uma estrutura unitária visa superar a fragmentação de categorias que hoje desagregam a organização e a representação. A agregação requererá um movimento pactuado politicamente de articulação sindical, visando novas formas de cooperação efetiva que caminha para processos de fusão progressivos.

O sucesso depende, em parte, de um bom projeto de transição, no qual todos se sintam confortáveis e seguros para conduzir as mudanças.

É fundamental construir o processo de agregação como uma resultante das demandas das bases dos trabalhadores, o que exige recolocar a centralidade da solidariedade e cooperação como estruturantes do movimento sindical, bem como a exigência de formas organizativas coetâneas com os desafios que estão postos.

5.5 O local de trabalho

Desenvolver a organização sindical para estar presente nos locais de trabalho continuará a ser um desafio do sindicalismo. A depender do âmbito das negociações e das formas de tratar dos conflitos, a organização sindical no local de trabalho pode ganhar protagonismo sindical relevante, assim como a constituição de redes sindicais por empresas, nacionais e internacionais.

As questões associadas à saúde do trabalhador ganharão muito destaque e podem ser um assunto que leve os sindicatos a uma presença mais assídua nos locais de trabalho, por exemplo.

O uso do APP Sindicato pode ser um meio de colocar em tempo real o local de trabalho conectado com uma central sindical de atendimento. Portanto, há novas maneiras de chegar ao local de trabalho.

5.6 O local de moradia

Deve-se considerar, entretanto, que o local de trabalho pode ser difuso ou inexistente. Talvez hoje grande parte da força de trabalho já não possua um local fixo ou conhecido de trabalho. Muitos circulam sem parar, outros tem uma inserção individual em unidades familiares ou em prédios/condomínios residenciais ou comerciais, outros trabalham a partir de casa (home office ou teletrabalho), ou em casa em micro unidade industrial, ou mediados por aplicativos ou plataformas, etc.

Por isso, o local de moradia passa a ser um referencial estratégico de contato organizativo das trabalhadoras e dos trabalhadores, assim como as condições de vida e moradia interferirão diretamente nas condições de trabalho.

Grande parte da agenda de proteção social desses trabalhadores será produto de políticas públicas de seguridade, previdência, saúde, educação, transporte, entre outros, que precisam ser apresentadas e mobilizadas as pressões necessárias para entrar na pauta de debate deliberativo.

O sindicalismo do futuro se ocupará tanto das condições de trabalho, como das condições vida e terá uma articulação, ou integração, muito forte com os movimentos populares e sociais a partir dos locais de moradia.

Diante disso, uma proposta ousada é organizar a presença sindical nos bairros de forma a permitir que os trabalhadores tenham uma unidade/centro sindical de referência. Essa presença pode ser a de máxima agregação – uma unidade sindical capaz de agregar e atender a todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras.

Nesse sentido, coloca-se o desafio de um projeto de reestruturação patrimonial de todo o movimento sindical, articulado a partir de uma presença territorial estrategicamente posicionada. Esses centros de referência sindical devem ser estruturados para serem espaços de encontro, nos quais se desenvolva a cultura sindical em sentido amplo, com festas, arte, esporte e múltiplos serviços sindicais oferecidos aos trabalhadores, além de espaço para as múltiplas atividades organizativas, de formação e de debates. Esses espaços podem vir a oferecer serviços articulados às políticas públicas como o seguro-desemprego, a intermediação, a formação profissional, a orientação vocacional, entre outros, ou os mais variados serviços que o movimento sindical pode oferecer aos trabalhadores.

A gestão dessa rede sindical nos bairros pode ser pensada com gestões descentralizadas, mas articuladas em rede, com metas e formas de administração profissionalizada e atuação sindical orientada por princípios pactuados.

Para os trabalhadores autônomos e por conta própria há um conjunto de serviços de apoio a estruturação e sustentação da sua atividade laboral, tais como: o acesso e os cuidados com patrimônio envolvido na atividade (por exemplo a bicicleta, moto, carro, etc.) que inclui seguro, cálculo de depreciação e investimento na renovação/troca, consertos, manutenção, renovação, organização das finanças da atividade, manutenção das responsabilidades formais e legais; cuidados com a proteção pessoal com a saúde, acidente e previdência social; responsabilidades com a contratação de pessoas, etc.

Também neste caso, um dos desafios é usar a tecnologia em suas várias dimensões como um recurso aliado para o desenvolvimento da cultura e das atividades sindicais. De um lado, o sindicato pode se apresentar e se expressar por meio de um aplicativo, oferecendo informações e serviços sindicais, bem como o APP pode ser a base de articulação sindical, organização dos trabalhos e de comunicação. Também por meio de aplicativos, é possível desenvolver programas de formação sindical, processos de consulta e de deliberação podem ser organizados.

5.7 A proteção sindical e social

A proteção sindical, em parte, continuará derivada de convenções e de acordos coletivos produzidos por meio de negociações coletivas. Será preciso definir quais entidades serão representativas ou construir entidades representativas para os âmbitos de negociação, que poderão ser nacionais, setoriais e locais, todos articulados e integrados, a depender da estratégia sindical autônoma de reestruturação, do modelo de sistema de relações de trabalho ou do que a legislação vier a indicar.

Mas a proteção sindical também deverá ser produzida na mediação com o Estado (municípios, estados e União), constituindo formas de gerar proteção laboral e social para os trabalhadores inseridos em outras formas de ocupação. Seguro de vida e saúde diante de acidentes de trabalho, afastamento por doença ou maternidade, aposentadoria, formação profissional, orientação para a gestão da atividade econômica, crédito, seguro de vida, financiamento, gestão dos recursos de trabalho autônomo, serviços de apoio, etc.

A formulação das demandas em pautas, as propostas, as formas de luta e a negociação têm dinâmicas e processos diferentes daqueles presentes nas relações de assalariamento.

5.8 O empregador oculto

Um outro desafio do sindicalismo será lançar luz sobre muitas relações laborais que estão intencionalmente ocultas ou realizadas por sujeito indeterminado, seja por meio de terceirizações as mais variadas, quarteirizações e outras forma de subcontratação; mediações realizadas pelos aplicativos e plataformas; o trabalho criativo compartilhado em redes, entre outras possibilidades que se criam a cada dia. Será um grande desafio revelar os empregadores ocultos nas relações econômicas de produção e de trabalho subordinado, imputar-lhes responsabilidades formais, estabelecer processo de enfrentamento e de negociação. As formas de responsabilização poderão gerar outros meios de proteção sindical e social, bem como novas formas de organização, representação e de contribuição para o financiamento sindical.

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